Ele abriu os olhos. Tudo o que podia ver eram pontinhos brancos que espalhavam-se sob um manto negro.
“O céu!”, ele pensou.
Percebeu que estava deitado. Haviam poucas nuvens acompanhadas de uma fina brisa naquela noite.
Virou a cabeça para o lado. Viu um coelho.
“Um coelho!”, ele pensou.
Decidiu examinar o que havia do outro lado.
“Árvores!”, ele pensou.
Aos poucos tentou levantar-se – sentiu fortes dores em locais que ele nem imaginava que existiam em seu corpo. Com um grande esforço, porém, depois de alguns segundos estava de pé.
Por alguns instantes coelho e árvores revezaram-se ao seu redor. Coelho. Árvores. Coelho. Árvores. Coelho. Árvores. Cambaleou. Por instinto fechou os olhos. O resultado não foi dos melhores. Coelhárvores. Coelhárvores. Coelhárvores. Abriu novamente os olhos e desta vez tentou fixá-los em um sicômoro, árvore que destoava das demais pela sua gigantesca copa. O coelho e as árvores passaram a girar de forma mais lenta, até que finalmente decidiram parar nos seus locais originais. Já o sicômoro havia sumido.
Após se recompor e adquirir coragem caminhou por alguns metros em linha reta.
Algo o estava incomodando. Não sabia se era o fato de não saber quem era, o que tinha feito em sua vida até ali, ter se esquecido do próprio nome, um sicômoro gigantesco ter sumido em sua frente ou a intensa dor de cabeça que agora o acometia.
Depois de alguns momentos de autoanálise decidiu que a prioridade naquele momento era sua dor de cabeça.
Passou as mãos e os olhos sobre o seu corpo para descobrir o que estava vestindo. Poderia existir algum tipo de remédio em algum bolso.
Percebeu estar trajando uma jaqueta verde musgo.
(Uma curiosidade sobre aquela jaqueta: ela havia sido adquirida há alguns anos pela pechincha de 15 euros numa cidadezinha chamada Colônia, na Alemanha, enquanto ele comemorava com seus amigos o carnaval local. Infelizmente ele não tinha nenhuma recordação sobre o fato).
A jaqueta possuía sete bolsos. Mas, ao investigá-los, não encontrou nenhum sinal de remédio. Achou alguns trocados, recibos (em sua maioria de estacionamentos) e duas balas mentol. Colocou uma na boca.
Agora concentrava-se na calça jeans. Quatro bolsos. Três tampinhas de longnecks e um papel com algo escrito, mas ilegível. Percebeu que o papel teria passado por, pelo menos, duas vezes em uma máquina de lavar.
Decidiu olhar para baixo.
“Amarelo. Duas. Cinza.”, pensou.
Estava no meio de uma estrada, com uma faixa que ia para um lugar e voltava de outro, e outra que voltava desse mesmo lugar e levava para outro. Em ambas as pontas a estrada se perdia por entre árvores, nevoeiro e escuridão. Não havia luz, não havia som.
Uma música começou a tocar em sua cabeça:
“There was blood and glass all over and there was nobody there but me…”
Pontadas acompanhavam o baixo e a voz de Bruce Springsteen.
Olhou novamente para onde o coelho estava. Não havia mais nada ali. Neste momento, o animal adentrava a floresta, buscando por sua toca.
“Coelho… quatro patas…”, ele pensou.
Olhou para as árvores, que começavam a balançar devido a fina brisa passava por ali.
“Árvore… verde…”, ele pensou.
Olhou para baixo, e viu marcas de pneu que se estendiam por cerca de dez metros, como se algum carro tivesse tentado brecar bruscamente.
“Estrada…”, ele pensou.
Então, um turbilhão de memórias veio a sua mente, fazendo com que sua dor, que antes seria categorizada como um oito em uma triagem de pronto socorro, se tornasse um onze.
Em algum momento anterior ao seu despertar tinha sido atingido por um Celta verde enquanto caminhava pela estrada. O que ele fazia perambulando por ali, não fazia ideia.
“Eita.”, ele pensou.
Olhou para trás e viu sangue no meio da estrada. Seguiu a trilha vermelha no asfalto com os olhos até chegar a um vulto inerte estirado no chão…
Um corpo.